Francisco Manuel Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista Fátima Alfredo ALFREDO, Fátima. Francisco Manuel Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/fmcp_fa.htm. * * * 1. Francisco Manuel Chaves Pinheiro [Figura 1] era um artista de formação acadêmica e atuou durante longo período na AIBA, ora como aluno, ora como professor. Vale lembrar, portanto, a sua participação na historiografia nacional, pois foi o escultor estatuário brasileiro que mais produziu na segunda metade do século, além de apresentar, como professor estatuário da AIBA, 17 artigos planejados para regulamentar as “Exposições Gerais” feitas pela Academia.[1] Se, para Panofsky, a arte contribui para a conservação das sociedades, o que não dizer do artista não-diletante presente em vários momentos importantes na formação destas sociedades. Com isso impõe-se uma reflexão sobre o papel de Chaves Pinheiro, seja no ensino da Academia, seja na sua produção artística, o que poderá contribuir para esclarecer alguns pontos do tema em análise. 2. No mesmo ano em que D. Pedro I declarou a Independência do Brasil, nasce Francisco Manuel Chaves Pinheiro. Seu nascimento se deu em 5 de setembro de 1822 na cidade do Rio de Janeiro, constando em sua certidão, como pais D. Úrsula Maria das Virgens e Manoel Bernardes Chaves[2] moradores à Rua do Piolho nº 9[3] e posteriormente à Rua do Lavradio, número 21 [Figura 2]. Em 1835, ainda muito jovem, com treze anos, como era requerido na época, ingressou na Academia Imperial das Belas Artes, iniciando seus estudos na Classe de Desenho e registrando-se sob o nome Francisco Manoel Chaves de Bragança, adotando, portanto, o nome da mãe. Sua matrícula na Classe de Escultura se deu no ano de 1836 tornando-se aluno da primeira turma de Escultura da Academia, tendo como professor Marc Ferrez - que fez parte da imigração intelectual e artística que chegou ao Rio de Janeiro no início do século XIX. Chaves Pinheiro, ainda aos 23 anos, conquistou a Medalha de Ouro oferecida aos melhores alunos em concursos pela Imperial Academia com a obra Alegoria a Libertação do Brasil. Nessa ocasião foi agraciado com o prêmio de viagem, mas por algum motivo não declarado, recusou. Essa premiação se deu na VI Exposição Geral acontecida de 7 a 19 de dezembro no ano de 1845. Na sua trajetória como aluno ainda constam mais duas Medalhas de Prata, ambas ganhas aos 14 e 15 anos de idade, respectivamente. 3. Chaves Pinheiro casou-se duas vezes, primeiramente, com Narcisa Ferreira Netto e depois com Amélia Josephina Ramos com quem teve duas filhas: Claudiana Chaves Pinheiro e Narcisa Chaves Pinheiro. Dividia sua vida de artista estatuário e de professor acadêmico com as suas atividades na Loja Maçônica do Rio de Janeiro, onde a influência desta Ordem cresceu consideravelmente durante o processo de formação do Estado Brasileiro, atuando como uma das mais importantes instituições de apoio à independência.[4] 4. Chaves Pinheiro foi um aluno promissor e comprometido com o objetivo da Academia e, apesar das críticas de Le Breton sobre a origem sócio-econômica dos alunos, aos vinte e nove foi nomeado professor de Escultura e Estatuária da instituição, tendo como alunos mais destacados Cândido Caetano de Almeida Reis, Hortêncio Branco Cordoville e Rodolfo Bernardelli. 5. Ele foi um escultor ligado ao modelado, isto é, modelador voltado à feitura da estatuária, tendo a maior parte desta produção se baseado no modelado (obras moldadas em barro e finalizadas em gesso, bronze ou ferro). O material para execução dessas peças era doado pela Academia, salvo os raros trabalhos particulares que executou. O Governo Imperial foi o maior ‘comprador’ de suas obras. Era lá que os professores trabalhavam e faziam seus ateliês com os alunos participando de todo o processo de execução da obra. Era difícil ao artista, no Rio de Janeiro, manter um atelier, mesmo um dos mais simples, quanto mais ao artista estatuário. D. Pedro II permitiu a três artistas que se instalassem nas dependências do Paço da Cidade em um ateliê provisório,[5] pois trabalhavam em obras para a Família Imperial. Ferdinand Petrich, autor da primeira estátua em mármore confeccionada no Brasil, foi o primeiro, logo depois o pintor Biard e mais tarde Caetano de Almeida Reis. Chaves também realizou além do modelado, algumas obras em mármore e também em madeira, mas foram os inúmeros retratos em bronze, dedicados às figuras de grande destaque nacional, que conferiram mais renome à sua coletânea artística. 6. Grande parte dos bustos e esculturas públicas de Chaves Pinheiro, sejam estas em bronze ou em gesso, tiveram início na modelagem em barro cuja maleabilidade da matéria permitiu obter maiores e melhores detalhes realistas; no entanto, o escultor necessitou de outros recursos para conseguir o efeito desejado, como o uso de modelo e o conhecimento de Anatomia, por exemplo. Nesse sentido, as aulas de ‘Fisiologia das Paixões’ foram fundamentais para a execução de suas peças de pleno vulto, uma vez que o estudo da figura humana é, pedagogicamente, parte da formação do artista, principalmente de um artista escultor figurativo. 7. O corpo humano é uma máquina cuja operação o escultor deva saber. A Anatomia e a Fisiologia são consequentemente as filiais do conhecimento que influenciam no método do trabalho dos escultores. (SCHMITT, 2003, p. 25) 8. Para algumas obras, Chaves Pinheiro fez uso de esboços dos quais o tamanho era, geralmente, proporcional a um terço da peça final e, em outros, a modelagem se deu com intenção definitiva, como nos retratos. 9. Como nos países europeus, principalmente na França, a Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro, subvencionada pelo Estado, foi impondo ao longo dos anos, através de uma disciplina rígida, um determinado padrão estético. Suas classes de professores efetivos e honorários eram presididas pelo Ministro e Secretário de Estado e Negócios do Império ou pelo Diretor da Academia. Seus artistas, alunos e professores tinham forçosamente o compromisso de colaborar com o governo para retribuir o ônus da sua formação artística e profissional. 10. Chaves Pinheiro foi professor da Academia de 1851 a 1884, num período de trinta e três anos, durante os quais produziu inúmeras obras geralmente classificadas dentro do convencionalismo neoclássico; no entanto, a pluralidade dos aspectos temáticos (motivos heroicos, alegorias e os temas nacionais) de sua grande produção também o aproximam de uma inclinação romântica. 11. Francisco Manuel Chaves Pinheiro participou de Comissões de análise dos envios vindos da Europa, tanto de alunos bolsistas, quanto de correspondentes europeus da Academia e era ele também quem restaurava as obras compradas pelo Governo para servir de apoio didático às aulas. Apesar de sua formação artística dar-se somente na Academia, esteve no exterior algumas vezes, participando das Comissões Brasileiras enviadas às Exposições Internacionais. 12. Chaves Pinheiro participou da vida acadêmica e brasileira num período que pode ser considerado favorável à produção cultural, graças ao patronato do Imperador e ao momento que se mostrava propício a essa produção crescente devido ao movimento de conscientização, no Brasil e na Europa, das questões relativas ao nacional, deixando uma diversidade de obras entre monumentos ou grupos alegóricos, obras sacras e inúmeros retratos. 13. Procurar absorver o sentido da obra de Chaves Pinheiro na sua mensagem estética mais geral e nas suas particularidades éticas, certamente será proveitoso, para montar o panorama do ensino e da produção artística desse período da Academia, Além da riqueza temática, da multiplicidade de sua produção e da particularidade de seus traços, a influência do estilo romântico que visita as suas obras servirá para acrescer a história das artes brasileira oitocentista. Outro fator que convém considerar, é que a escultura tem seus próprios problemas enquanto técnica, o que levanta questões que precisam ser cuidadosamente avaliadas ou aprofundadas na metodologia do ensino, no material didático utilizado, na tecnologia e uso do ferramental e também nos conceitos estruturais da técnica escultórica em si. 14. Unidade plástica ou arquitetônica, o monumento representa a autoridade e os valores que ele é chamado a traduzir em sua retórica. 15. Não se pode concebê-lo sem o associar à idéia de cidade-capital, não mais que não se pode pensar nesta última sem evocar o estado absoluto. O monumento constitui um núcleo de grande prestígio no conjunto da cidade e ele se situa geralmente no centro de uma zona aberta que está disposta de maneira a lhe colocar em evidência. (ARGAN, 1994, p. 41). 16. As esculturas representam ideias expressas em imagens que por sua vez, representam metáforas. Em algumas obras é perceptível que esta operação, nem sempre se deu por meios racionais; às vezes, essa vontade de racionalizar esconde uma motivação bastante inconsciente. Acontece assim, um comprometimento dos significados mais simples, a tal ponto que a apreensão da forma inteligível torna-se, deveras, muito difícil. Em alguns casos, só é possível o reconhecimento a partir de um apelo emocional e arquétipo. Contudo, lembrando Didi-Huberman, as imagens sabem bem significar e mal imitar, já que elas não deixam de significar bem, por não representarem bem. A significação nas imagens é intencional, ela é dotada de instrumentos que facilitem a nossa compreensão, muito mais do que as palavras. 17. Foi basicamente a partir do século XIX, com a nova estruturação das cidades, que seus administradores sentiram necessidade de um contato mais direto com a população, sem outros intermediários. Para esse processo construtivo em torno das ideias de nacionalidade e de poder, conforme relatou Hobsbawn (1990, p. 102) “Estados que contavam com uma alternativa civil para as celebrações eclesiásticas dos grandes ritos humanos, e a maioria deles dispunha dessa alternativa, os habitantes podiam encontrar os representantes do Estado nessas ocasiões emocionalmente intensas”. Com isso, a rua e a praça tornam-se as novas ‘unidades típicas’ da arquitetura segundo Argan (1994, p. 32). Citemos como exemplo a inauguração da estátua mais antiga da cidade do Rio de Janeiro, a estátua eqüestre de D. Pedro I, de Louis Rochet. Essa obra, inaugurada em trinta de março de 1862, teve os festejos de sua inauguração com a mais alta imponência, segundo Carlos Sarthou (1964, p. 4). “Houve uma apresentação orquestrada de 242 instrumentos e 653 figuras de coro, que tocaram e cantaram o Te-Deum de Sigismundo Neukomm, mais o Hino da Independência e o Hino Nacional [...]. Toda a praça estava ornamentada e engalanada. Na varanda do Teatro São Pedro, [...] construira-se uma tribuna de ordem jônica para suas Majestades. [...] via-se o Morro de Santo Antonio coberto de povo, e onde tinha sido armado um arraial festivo, com tendas de campanha, bandeiras, flâmulas e galhardetes na retaguarda da artilharia ali postada para dar as salvas da pragmática [...]” (idem, p. 5). 18. Com esta inauguração o Brasil consagrou a afirmação da escultura pública e instalou uma tradição que atravessou os tempos.[6] Ainda segundo Sarthou existiriam, pelo menos, quarenta e três estátuas comemorativas em logradouros públicos na cidade do Rio de Janeiro, sendo cinco equestres, quatro sedestres e as restantes pedestres.[7] Todas em bronze, com exceção de duas estátuas: a do Cristo Redentor, que é em cimento armado, revestida com pedrinhas triangulares de pedra sabão, e a de Buarque de Macedo, que é em ferro. Há ainda algumas outras, em mármore e ferro, cujo caráter é ser apenas decorativa. Nessa relação de obras importantes, duas dessas são de autoria do escultor Chaves Pinheiro. Importantes porque, como bem definiu J. C. Schmitt (2002), as imagens não são apenas ‘obras de arte’ - embora haja muito de arte nelas. Essas mesmas imagens não respondem apenas às demandas sociais, mas as transformam. É relevante pensar que foi, através de algumas destas obras, que a sociedade brasileira ganhou alicerce e mostrou-se ao mundo. Isso em plena formação da consciência nacional, no decorrer do século XIX. 19. A estátua do engenheiro Manoel Buarque de Macedo [Figura 3] foi inaugurada no dia seguinte a sua morte, em 28 de agosto de 1881, na cidade do Rio de Janeiro. É uma estátua em ferro, de dois metros de altura e pedestal de granito, de três metros. Na época, sua inauguração se deu na estação de S. Diogo da Estrada de Ferro da Central do Brasil (E.F.C.B.). Logo depois a estátua passou para o átrio do edifício do Ministério da Viação, já demolido e hoje, esta se encontra à Avenida Marechal Câmara, no centro da cidade. 20. Outra estátua de importância para o período, e principalmente para a cidade, é a do dramaturgo João Caetano dos Santos interpretando ‘Oscar’, filho de Ossian, da tragédia de Arnault [Figura 4]. Foi a quarta erguida no Rio de Janeiro. A iniciativa da construção desta estátua foi do ator Francisco Corrêa Vasques, antigo discípulo de João Caeteno. Numa das faces desta estátua vê-se um medalhão com a efígie do ator e, no lado oposto, pode-se ler: “a João Caetano, Glória do Palco brasileiro - 3 de maio de 1891”. 21. Uma das marcas do movimento romântico, e bem aproveitada por essa linguagem tridimensional, foi o nacionalismo. Apesar da insípida atividade escultórica no decorrer do século XIX, a questão da construção da identidade nacional ainda vigorava nos temas escultóricos públicos, enfatizando os feitos heroicos de seus líderes. Tanto assim que em 1864 Chaves Pinheiro inicia um modelo para a colossal estátua equestre de D. Pedro II [Figura 5]. Esta estátua foi apresentada em Paris, na Exposição Universal e na XXI Exposição da Academia Imperial, tendo sido oferecida por seu autor ao Imperador D. Pedro II e logo aprovada pela comissão parlamentar, para ser executada em bronze obtido pelo botim de guerra.[8] Contudo, esse projeto nunca foi completado porque D. Pedro II recusou a homenagem em favor da educação pública, preferindo à construção de escolas como perpetuação de sua boa imagem como Imperador do país. 22. Ainda sobre a produção estatuária de Chaves Pinheiro, existem algumas outras que estão salvaguardadas em Museus, como a estátua pedestre dedicada ao ‘patriarca da Independência’, José Bonifácio, concluída em 1859 (Museu Nacional de Belas Artes/RJ), fundida uma cópia para o bronze por Louis Rochet aproveitado o modelo para o monumento exposto no Largo de São Francisco de Paula, a estátua de D. Pedro II (1873) [Figura 6] da qual foram fundidas em bronze duas cópias, duas delas se encontram no Museu Histórico Nacional, e uma estatueta de Pedro Álvares Cabral [Figura 7].[9] no Museu D. João VI, além do original em gesso da estátua equestre de D. Pedro II na rendição da Uruguaiana que está no Museu Histórico Nacional. Nesta obra D. Pedro II está representado com uma veste militar decorada e, igualmente o arreio do cavalo, a cabeça protegida por um chapéu, a mão direita estendida como a saudar o povo pela vitória conseguida e, a esquerda segura à rédea. A estátua mostra a importância da representação imagística com o intuito de promoção pública da imagem do Imperador. 23. Chaves Pinheiro fez um estudo para essa estátua e que foi aproveitado por Louis Rouchet para a execução da estátua equestre de D. Pedro I que se encontra na Praça Tiradentes, consoante Knauss (2001, p. 1). 24. Outra mostra da produção escultórica de Chaves Pinheiro foi a temática religiosa: a estátua de São Sebastião (1865). Uma estátua em tamanho maior que o natural, em gesso, localizada à Praça Luiz de Camões, na Glória - palco da batalha onde os franceses foram expulsos da cidade do Rio de Janeiro e na qual Estácio de Sá foi ferido. 25. Também é de autoria de Chaves, o painel que reveste o Arco do Cruzeiro da capela principal da Matriz da Glória [Figura 8]. Este painel, em madeira, iniciado em 8 de agosto de 1869, foi finalizado em 1872. Representa a ascensão da Virgem e pelo qual Chaves recebeu a quantia de três mil e oitocentos réis. Outras obras de temática sacra foram os dois alto-relevos sobre Vida de São Francisco de Paula e os Doze Apóstolos localizados na Igreja de São Francisco de Paula. A decoração interna da citada igreja foi executada entre os anos de 1855 a 1865, por Antonio Pádua e Castro com a ajuda de Chaves Pinheiro e Almeida Reis. Acrescente-se a esta lista as estátuas de Nossa Senhora da Conceição e a de São Jorge, para a Paróquia de São Francisco Xavier e do Engenho de Dentro, e mais um Senhor do Bonfim, para a igreja de São Cristóvão. Todas essas obras foram executadas em madeira e partem de encomendas civis. 26. Sobre a produção retratística de Chaves e novamente pensando em uma “historia nacional de acordo com as representações de segmentos muito específicos das elites brasileiras [...] aqueles que constituíam e se representavam como a nobreza brasileira [...]” (ABREU, 1996, p. 147, grifo nosso), entendemos que é importante destacar determinados feitos de alguns personagens, para compreender a construção de uma história maior, coletiva. Pensando assim, o retrato já mostrava a sua funcionalidade, do mesmo modo como ocorre nos dias atuais. Ele era realizado com o fim específico de distinguir alguns ou chamar a atenção para os dotes de outrem. Da mesma maneira que passou a ser comum ao cidadão moderno, ornar sua residência com objetos de valor vindos da Europa, também se tornou grande moda a encomenda de retratos para ornar os interiores das residências. Para os burgueses da época, isso era algo politicamente correto. 27. De certo que esses retratos tinham seu lugar determinado, ou era o ambiente doméstico ou no mais, os espaços públicos das irmandades construídas ou ajudadas pelo benfeitor retratado, ou o homem público que merecia o reconhecimento do povo. A necessidade da frontalidade do apreciador e a possível falta de interesse dos demais membros da sociedade pelo retratado, eram outros fatores que limitavam o espaço de apresentação desses bustos. 28. Havia alguns cânones artísticos pré-estabelecidos, dentro dos padrões oitocentistas e para o bom empreendimento destes, os artistas retratistas da época não deveriam se afastar demasiadamente, correndo sério risco de serem incompreendidos pelo ‘cliente’, conquanto também não devessem usar de outro estilo senão o convencional. De certo que na maioria das vezes partia deste ‘cliente’ a palavra final quanto a execução da obra [10], influindo e dispondo-a da maneira que bem desejasse, salvo as limitações de valores já organizados e definidos pelo grupo social no qual estava inserido. Essa contenção de liberdade dificultou a aproximação dos bustos ao estilo mais moderno (romântico), fazendo valer as normas acadêmicas como, por exemplo, as ditadas pelo Epítome de anatomia de Charles Lebrun, que codificava a linguagem universal dos gestos e indicava ser a cabeça a parte mais importante para expressar as emoções. 29. Chaves Pinheiro produziu alguns bustos de personalidades representativas da nossa história nacional [Figura 9a, Figura 9b, Figura 9c]. Foram produções de cunho solene, uma vez que os relatos de tais obras se encontram apenas em âmbito oficial, como os museus e outras instituições do governo. 30. As grandes nações escrevem sua autobiografia em três volumes: o livro de suas ações, o livro de suas palavras e o livro da sua arte. Nenhum desses três livros pode ser compreendido sem que se tenha lido os outros dois, mas desses três, o único que se pode confiar é o último. (RUSKIN, 2008, p. 6). 31. A maioria dos bustos foi fundida em liga de bronze na Casa da Moeda, talvez pelo tipo de encomenda, uma vez que, como se sabe, durante grande parte do oitocentos, as fundições ficaram proibidas na cidade do Rio de Janeiro e a representatividade da ideia de riqueza e poder proporcionada pelo metal, também foram fundamentais na preferência pelo seu uso. 32. O busto é, portanto, como retrato, um produto da nossa historiografia e, mesmo estando ele afastado de sua ação ‘temporal’,[11] detemos hoje de meios artísticos e históricos para bem compreendê-los. 33. Usando as palavras de Moreira de Azevedo sobre Francisco Manuel Chaves Pinheiro (1878, p. 171) “o digno escultor, identificado com a arte, que consagrou a vida ao estudo e ao trabalho”. Durante a sua permanência na Academia, coube-lhe também a responsabilidade sobre a execução de 14 medalhas de ouro para premiação dos alunos das Belas Artes e do Conservatório de Música, durante a XI Exposição Geral do Império (GAZETA DA TARDE - Noticiário, 1880): Ao lado de Pádua e Castro, ornou as Igrejas de São Francisco de Paula e a da Glória. É de sua autoria a decoração em relevo do salão principal da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e, ainda existem estudos sobre dois outros trabalhos executados por Chaves Pinheiro que mostram a questão do tratamento acentuado nas suas obras. São dois baixos-relevos, feitos ainda dentro dos aspectos neoclássicos, mas trabalhados à sua maneira e tempo. 34. Um é denominado Parcas, e foi executado no tímpano de uma residência da família Alves Meira,[12] que se situava próxima da Rua Frei Caneca e demolida pelo plano de alargamento de ruas do Sr. Pereira Passos. Descreve-se como sendo um grupo alegórico, onde o tema principal eram figuras greco-romanas, seriam três irmãs - Clotho, Lachesis e Atropos - cada uma representando uma moral. A diferença da obra aqui descrita, é que o autor as esculpiu sentadas, para um fim não tão comum, e todas com aspecto senil, enquanto na mitologia essas mesmas personagens sempre são representadas muito jovens. 35. F. W. Schelling (2007, p. 238) uma vez definiu que “o baixo-relevo deve ser visto como a pintura na plástica” e, Chaves Pinheiro demonstrou abnegação artística ao executar um modelo de outro baixo-relevo, que tinha como destino o frontispício do Palácio do Rio de Janeiro, mas que não foi finalizado. Tratava-se de uma representação alegórica do pintor, recebendo a palheta das mãos do gênio da cor. O grupo alegórico era formado por uma mulher com asas de borboleta e um gênio do desenho que lhe entrega um lápis. O gênio, por sua vez, era caracterizado por um rapaz com enormes asas de pássaro, como aquelas das aves que alcançam altos vôos. A representação tinha como objetivo, expressar o timbre da grandeza que a delineação dos contornos deve proporcionar a uma pintura. 36. Dedicar-se a arte de esculpir “gera suor e fadiga corporal no seu operador”[13] e Chaves Pinheiro soube bem o que foi isso pois, trabalhando incansavelmente durante seus trinta e três anos como professor de Estatuária da Academia, merecendo tal fato, inclusive, destaque em jornais da época[14] e dedicando-se ao fazer artístico como método de ensino. Não pode concluir sua última obra, vindo a falecer por problemas cardíacos em 19 de outubro de 1884 na mesma cidade onde dedicou toda sua vida e trabalho. Francisco Manuel Chaves Pinheiro, “[...] escultor labutador [...] encorajado pelo trabalho, que desconhecia a fadiga" (RUBENS, 1935, p. 259-260), “[...] discípulo perfeito de Marc Ferrez, a ponto de substituí-lo na cadeira [...] mulato de fibra. Contentou-se em aprender as primeiras letras na escola pública e se embrenhou no ofício” (ACQUARONE, 1939, Francisco. p. 138). Apesar de alguns elogios, foi bastante tímido o reconhecimento do artista no cenário historiográfico brasileiro. Quem sabe isso não tenha sido decorrente da relação com a sua própria percepção individual, ou se devia à ideologia comercial do período, por não permitir a ampliação de sua ação profissional (a relação de mecenato com o Governo); ou talvez por não ter sido ele, um homem de maiores sutilezas e dado aos esquemas burgueses, que marcaram a sociedade da época. 37. Atuando em um período considerado importante no século XIX, que foi o período de maior influencia intelectual do romantismo, onde os brasileiros procuravam definir sua ideia de nação, Francisco Manuel Chaves Pinheiro através da sua produção iconográfica, participou dessas discussões acerca do processo formador social e cultural do país. Foi a Academia que, na prática, iniciou essa discussão, conferindo-lhe um caráter oficial. Chaves seguiu as ideias definidas por Porto-alegre, em relação à Academia e às diretrizes do IHGB, adaptadas às artes plásticas e utilizadas como norteadoras de uma identidade nacional, patrocinada pelo governo. Escreveu Porto-alegre em 1854 que o escultor [...] é o tradutor da gratidão nacional, o ostensor da glória, o que perpetua a memória do homem e o que o imortaliza. 38. O elemento central que remete ao simbolismo do romantismo brasileiro foi a figura do índio, segundo Schwarcz, no Brasil os símbolos ‘surgiam’ na mesma velocidade em que se consolidava a imagem do Império. E, assim, por meio do indianismo, realizava-se o velamento da colonização, daí o indígena lido como o sujeito rousseauniano, do ‘bom selvagem’, ter atendido bem aos interesses da elite oitocentista. Chaves, no entanto, deixou escapar em algumas de suas obras, incidências de condicionantes sociais, como as sugeridas pelo romantismo europeu, produzindo obras iguais à que Moreira de Azevedo (1878) descreveu como Cabloco em barro, symbolisando o Brasil [Figura 10].[15] Sobre o grupo alegórico A emancipação do elemento servil [16], descreve a obra como sendo uma mulher escrava, de mãos cruzadas, volvendo os olhos para a estátua da religião, que, por sua vez empunha uma cruz e procura cobrir com seu manto a escrava e os três filhos libertados pela Lei de 28 de setembro de 1871. Esta Lei é representada por uma moça, que apresenta em uma das mãos o grupo acima descrito e na outra um pedaço dos grilhões que conseguiu despedaçar. 39. Com essa temática bastante variada (vide relação, não definitiva, na Tabela 1 em anexo) e voltada ao ufanismo, Chaves marcou sua participação no cenário artístico oitocentista carioca. Referências bibliográficas ABREU, Maria Aparecida Azevedo. Raimundo Faoro: quando menos é mais. São Paulo: Perspectivas, v.26, p.169-189, jan./jun. 2006. ACQUARONE, Francisco. História das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1980. 288 p., il. P&B. ARGAN, Giulo Carlo. A arte moderna. São Paulo. Companhias das Letras, 1992. AZEVEDO, Moreira de. Biographia dos Brasileiros distinctos por lettras, armas, virtudes, etc. Revista Trimensal do Instituto Histórico, Rio de Janeiro: Livraria José Leite, 1878. BAXANDALL, Michael. O Olhar Renascente: Pintura e experiência social na Itália da Renascença, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos o que nos olha. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2008. HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios (1875-1914). São Paulo: Edit. Paz e Terra, 1990. KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX. In: Oitocentos - Arte Brasileira do Império à Primeira República. Orgs.: CAVALCANTI, Ana M.T., DAZZI, Camila; VALLE, Arthur. Rio de Janeiro: E.B.A / UFRJ, 2008. PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991. RUBENS, Carlos. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Nacional, 1935. 388 p., il. p&b. RUSKIN, John. Lâmpada da memória. São Paulo: Ateliê, 2008. SANTOS, F. M dos. Subsídios para a História das Belas-Artes no Segundo Reinado. Estudos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora Zélio Valverde, 1942, p. 21. SARTHOU, Carlos. As estátuas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Léo Editores, 1964. SCHELLING, F. W.. Filosofia da Arte. São Paulo: EDUSP 2007. SCHMITT, Jean-Claude. 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[4] Nota exposta no jornal Gazeta da Tarde (nº 245, p.2 - 1884) quando do falecimento do artista. [5] Apenas Marc Ferrez parecia ensinar a técnica de esculpir também em casa, onde devia funcionar um atelier particular. SANTOS, F. M dos. Subsídios para a História das Belas-Artes no Segundo Reinado. Estudos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora Zélio Valverde, 1942, p. 21. [6] KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX. In: Oitocentos - Arte Brasileira do Império à Primeira República. Orgs.: CAVALCANTI, Ana M.T., DAZZI, Camila e VALLE, Arthur. Rio de Janeiro: E.B.A / UFRJ, 2008.p. 179. [7] Equestre é a estátua que representa um personagem de grande importância montado em um cavalo. Sedestre é a estátua que representa o personagem sentado e Pedestre, o representa de pé. [8] Idem. [9] Modelo do monumento (?) a Pedro Álvares Cabral nº 2839 (12/08/1876) comprado pelo Ministério dos Negócios do Império pelo valor de $ 950, 000 (novecentos e cinquenta mil réis) conforme documento AIBA 1876. [10] Baseando-se em BAXANDALL, Michael. O Olhar Renascente, p. 11, 1991. Uma vez que era o comprador alguém que também detinha de algum tipo de conhecimento suficiente para opinar ou simplesmente que pagava a execução da obra, poderia este definir a utilização conforme as suas especificações. [11] Entenda-se que o busto, diferente de um grupo alegórico e mais contido em detalhes do que uma estátua de pleno vulto e mais ainda, uma vez já esquecido seu glamour e até retirado de seu lugar póstumo, se torna menos efusivo e tende ao esquecimento por parte da sociedade. [12] Folhetim A Notícia de 8 de novembro de 1904. [13] VINCI, Leonardo da. Tratado de Pintura, “O verdadeiro mestre é universal”. Col. A pintura. Vol. 10. Os gêneros pictóricos. Coord. LICHTENSTEIN, Jaqueline. São Paulo: Ed 34, 2006. [14] Nota no Jornal Gazeta da Tarde - nº 90, Ano I, 1880. [15] Na verdade, é também conhecida como Alegoria ao Império. Alguns autores como Moreira de Azevedo a nomeiam como acima descrito. [16] Obra comprada pelo Governo e exposta no frontão do palácio da Secretaria da Indústria e Viação no Rio de Janeiro. Veja também outro excelente artigo de Fátima Alfredo em: https://joaosextoseminario.files.wordpress.com/2017/01/31-fc3a1tima-alfredo.pdf Outro artigo sobre sua obra encontra-se em https://www.escritoriodearte.com/artista/francisco-manuel-chaves-pinheiro/ Veja também sua biografia na Revista IHGB [Instituto Histórico e Geografico Brasileiro], Tomo LXIII, parte II, p. 165-171. (https://drive.google.com/file/d/0B_G9pg7CxKSseVJWSTFaQTY5Z2c/view) Veja artigo em Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Manuel_Chaves_Pinheiro. Uma rua da cidade de S. Paulo leva o seu nome. Veja ainda: https://www.academia.edu/39506794/Revisitando_o_escultor_Francisco_Manuel_Chaves_Pinheiro_1822_1884_ | |||||
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